Ser pai e ser cristão num mundo em crise moral e espiritual (Parte 2)

O que caracteriza um pai?

Como definir a especificidade da figura do pai? O que o define?

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leia mais Confira na íntegra! 

Analisando a ação de Deus Pai na História Sagrada, a partir do Antigo Testamento, vemos que a primeira coisa que o SENHOR faz é dar a sua Lei; é estabelecer os limites entre o que é certo e o que é errado. Isso é próprio da figura do pai: educar. Isto implica também castigar, sim, quando preciso – é próprio do amor verdadeiro e zeloso do pai. Quer queira quer não, o pai sempre significou, de algum modo, a lei. E isso também pode significar, em determinados momentos, um certo distanciamento – e é por isso que não se quer mais ser pai. Todos querem ser “modernos”, querem ser bonzinhos, tolerantes… Querem ser “cúmplices” dos filhos. E para alguém se assumir como a lei, como aquele que impõe os limites, é preciso coragem, determinação, firmeza em suas convicções. Isso dá trabalho e pode gerar alguma antipatia. Evita-se correr o risco.

Deus, que inspira a nossa paternidade, é o mesmo que – para o nosso bem – apresenta os nossos limites, dá a Lei e nos mostra até onde podemos ir, apresentando a simples verdade: Ele é Deus, e não nós! Se quisermos ter uma vida realizada, feliz e plena, precisamos em primeiro lugar reconhecer este fato elementar.

Todo ser humano, em alguma fase de sua juventude, vive um período de rebeldia. Quer contestar a ordem estabelecida, quer impor o seu querer e o seu pensar, revolta-se contra “o sistema”… Ele quer, enfim, ser o seu próprio deus. Adolescentes, se não forem devidamente orientados, tornam-se pequenos ditadores. Cabe antes de tudo ao pai orientar, apontar a realidade, apresentar os limites, ensinar a lição fundamental: você não é deus.

O pai cristão deve fundamentalmente e sempre, afinal, conscientizar-se dos seguintes fatos: por um lado, a Paternidade Divina é insubstituível; por outro, os pais aqui na Terra são como ícones de Deus Pai.

São José não era propriamente pai de Jesus, mas ele de alguma forma serviu como um pai para o Senhor aqui na Terra, e não apenas socialmente, mas também, em algum nível, psicológica e espiritualmente. De alguma forma existia essa noção de paternidade sublime e sagrada, mesmo entre Jesus e José, e nós o percebemos quando a Virgem Maria diz a Jesus Menino, ao encontrá-lo no Templo: “Meu filho, por que fizeste isso? Teu pai e eu te procurávamos, cheios de aflição”. Por esta declaração de Maria Santíssima, vemos que Jesus chamava e tratava a S. José como pai, mesmo sabendo que aquele homem santo não era, de fato, seu pai. Mesmo assim, Jesus o respeitava como ícone de pai neste mundo.

E a Sagrada Escritura diz, ainda mais, que Jesus “desceu com eles, e foi para Nazaré, e era-lhes sujeito” (Lc 2,49-51). Jesus, aos doze anos de idade, depois de tratar dos “negócios de Seu Pai” – o próprio Deus, no Templo em Jerusalém – voltou com sua mãe e seu pai adotivo para Nazaré, onde viviam, e era-lhes obediente.

Jesus, o Filho de Deus e Deus, sujeito e obediente ao seu pai adotivo humano! Que lição maravilhosa para os nossos jovenzinhos de hoje, sempre rebeldes e tão cheios de razão!

Evidente que assumir-se como ícone de pai não quer dizer obrigar os filhos a uma obediência cega, tiranizando-os e obrigando-os à obediência cega. A grande missão do pai de família cristão é colocar-se de joelhos diante do Pai dos pais, do qual provém toda a paternidade, para aprender como gerar espiritualmente aos seus filhos.

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Um belo testemunho de conversão é o do ator inglês Alec Guinness, mais conhecido das novas gerações pela sua interpretação do velho “jedi” Obi Wan Kenobi no filme Star Wars original, de 1977, que chegou a receber da realeza o título “Sir”, em reconhecimento da sua brilhante carreira no cinema.

Sir Guinness interpretou o personagem principal no filme “The misteryes of Fr. Brown” (‘Os mistérios do Padre Brown’), de 1954. À ocasião, ele não tinha religião, declarando-se como agnóstico que não tinha conhecimento de religião e nem interesse nas coisas de Deus. Certo dia, ao terminar as filmagens, sentindo-se cansado, não retirou a fantasia de padre e preferiu retornar a pé ao hotel onde estava hospedado, localizado próximo à locação daquele dia, e ainda vestindo a batina. Ao cruzar uma esquina, surgiu-lhe uma criança dos seus oito anos de idade, que ele nunca soube identificar, e que lhe gritava: “Mon Père! Mon Père!” (‘Meu pai! Meu pai!’, que é como os franceses chamam carinhosamente os padres), achando, evidentemente, que ele fosse realmente um sacerdote…

O menino se aproxima, toma sua mão, e os dois caminham por um bom trecho de mãos dadas, enquanto a criança alegremente vai lhe confidenciando muitas coisas da sua vidinha, embora Sir Alec Guiness não o compreendesse bem, porque não falava fluentemente o francês. Ao final do percurso, o pequenino se despede com um: “Au revoir mon pere!”, e vai embora muito alegre.

O agnóstico Alec Guinness sentiu-se profundamente tocado por essa experiência simples. Passou a refletir sobre que religião seria essa, que faz com que uma criança confie tão completamente num desconhecido, apenas por ser padre, como se fosse realmente seu pai. E a confiança na figura do pai de uma comunidade, representada pelo padre, fez com que este famoso ator começasse a investigar o catolicismo e o que representa a religião católica. E assim se converteu. Sir Alec Guinness, a partir dali, viveu como um fiel católico até o dia de sua morte.

Isso ocorreu na primeira metade do século 20. Porém, diante deste belo testemunho, o que percebemos? A triste derrocada da figura do pai nas últimas décadas. E vemos que o demônio fez um trabalho tão bem feito que, hoje, muitos padres hesitam em demonstrar afeto para com uma criança.

Consta que o grande S. João Maria Vianney, celebrado pela Igreja em 4 de agosto, passou várias horas da sua vida diante do Sacrário, aos prantos, pedindo a Jesus: “Senhor, convertei a minha paróquia”. Todas as ações pastorais dos padres, bem como todas as nossas iniciativas como pais de família, só têm sentido se forem acompanhadas da Paternidade espiritual e da confiança primeira em Deus. Somente assim é possível ser verdadeiramente, simplesmente… Pai.

Peçamos a Nosso Senhor e à Santíssima Virgem que nos auxiliem a restabelecer a necessária figura do autêntico pai neste mundo secularizado e cada vez mais materialista.

Ref.:
Sermão de Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Jr., disponível em:
http://padrepauloricardo.org/episodios/crise-da-paternidade
Acesso 20/01/2020

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