Castidade, Matrimônio e Família- Pregação São João Crisostomo
[O matrimônio é] de um com uma e para sempre. (Homilias sobre São Mateus, 62, 1)
Se aquele que olhar uma mulher para desejá-la já cometeu com ela adultério (cfr. Mt 5, 28), quem a todo o custo se empenha em vê-Ia nua não ficará mil vezes cativo? […] Quando se trata de preeminências, aspirais ao primeiro lugar em toda a terra, por ter sido a vossa cidade [Antioquia] a primeira que se coroou com o nome de “cristão”; mas neste combate da pureza, não vos envergonhais de ocupar um lugar inferior ao das mais rústicas aldeias! “Muito bem – respondeis-me -, que queres então que façamos? Que subamos esses montes e nos façamos monges?” Isto é o que me faz gemer, que penseis que a modéstia e a castidade convêm somente aos monges. Não, Cristo promulgou leis comuns a todos. Com efeito, quando disse: Aquele que olhar uma mulher para desejá-la, não falava com o monge, mas com o homem casado, pois desses homens estava cheio o monte sobre o qual o Senhor falava. […] Não te proíbo de te casares nem me oponho a que te divirtas. Só quero que o faças com temperança, não com impudor, não com culpas e pecados sem conta. Não imponho como lei que vades aos montes e aos desertos, mas que sejais bons, modestos e castos, mesmo vivendo no meio das cidades. Para dizer a verdade, temos em comum com os monges todas as leis divinas, com exceção do matrimônio […]. Permanece na tua casa com a tua mulher e os teus filhos, mas não ultrajes essa mesma mulher, não desonres os teus próprios filhos, não metas na tua casa a peste dos teatros. Não ouves Paulo que diz: O varão não tem poder sobre o seu corpo, mas a mulher? (1 Cor 7, 4). [O Apóstolo] impõe leis comuns ao homem e à mulher. Tu, no entanto, se a tua mulher freqüenta a igreja, logo a cobres de implacáveis recriminações; mas passares tu o dia inteiro no teatro, não pensas que mereça recriminação alguma. És tão exigente quanto à castidade da tua mulher que chegas ao excesso e à falta de medida, a ponto de não lhe permitires as saídas necessárias; quanto a ti, porém, pensas que tudo te está permitido. Mas não será Paulo quem to permita, pois dá à mulher o mesmo poder que a ti: Pague o homem – afirma – a honra que deve à mulher. Mas que honra é essa, quando a ultrajas da maneira mais cortante e entregas a uma prostituta o corpo que lhe pertence – porque o teu corpo pertence a ela -, quando crias em tua casa alvoroços e guerras, quando fazes em praça pública o que não podes contar na intimidade sem envergonhares a tua esposa que te ouve, sem envergonhares a tua filha que está presente, sem te envergonhares antes a ti mesmo?
Mostra à tua mulher que aprecias muito viver com ela e que por ela preferes ficar em casa a andar pela rua. Prefere-a a todos os teus amigos e mesmo aos filhos que ela te deu; ama esses filhos por amor dela […] Fazei juntos as vossas orações […] Aprendei o temor Deus. Todas as outras coisas fluirão daí como de uma fonte e a vossa casa se encherá de inumeráveis bens. (Homilias sobre a carta aos Efésios, 20)
Mas tu, deixando a fonte do sangue, o cálice estremecedor, vais à fonte do diabo, para ver como nada uma meretriz e como naufraga a tua própria alma. […] Porque não imagines que, por não te haveres unido à meretriz, estás limpo de pecado. O desejo fez tudo. Se agora a paixão te domina, foste tu que acendeste mais o seu fogo; e se nenhuma impressão te produz o que viste, ainda é maior a tua culpa, porque foste pedra de escândalo para os outros e com semelhante espetáculo manchaste os teus olhos, e com os teus olhos a tua alma. Mas não nos contentemos apenas com repreender o mal; pensemos também no modo de corrigi-lo. Que modo será este? Eu quereria entregar-vos às vossas próprias mulheres para que elas vos instruam. […] E se te envergonhas de ter uma mulher por mestra, […] a Escritura te remete aos mais vis animais, para que aprendas com eles. […] E o mesmo faremos nós agora. Por ora, vos entregaremos às vossas mulheres; mas, se desprezardes essas mestras, vos enviaremos à escola dos irracionais, e ali vos mostraremos quantas aves, quantos peixes, quantos quadrúpedes e serpentes são mais pudicos e castos que vós. Se te envergonhas e enrubesces com a comparação, sobe à tua própria nobreza, ao trono que por Deus te foi dado. (Homilias sobre São Mateus, 7, 6)
Porque também se pode olhar de outra maneira para uma mulher, tal como olham os homens castos. É por isso que o Senhor não proibiu de forma absoluta olhar, mas olhar com concupiscência. Se o tivesse querido, tê-lo-ia dito de maneira absoluta: “Aquele que olhar uma mulher”. Na realidade, não disse isso, mas sim: Aquele que olhar uma mulher para desejá-la […] Com efeito, Deus não nos deu os olhos para que por eles penetre o adultério na nossa alma, mas para contemplarmos as suas criaturas e por elas admirarmos o seu Criador. Ora bem, tal como uma pessoa pode irar-se sem motivo, também pode olhar sem motivo, e é o que acontece quando olha para excitar a concupiscência. Se queres olhar para teu deleite, olha para a tua mulher e ama-a continuamente: não há lei que te proíba fazê-lo. Mas se andas à busca de belezas alheias, ofendes em primeiro lugar a tua própria mulher, pois levaste os teus olhos a outra parte, e ofendes também aquela que olhaste, pois a tocaste ilegitimamente. Se não a tocaste com a mão, pelo menos fizeste-o com os olhos, e por isso o teu olhar é considerado adultério. (Homilias sobre São Mateus, 17, 3)
Como posso, pois, persuadir-me de que seja possível salvarem-se os vossos filhos, quando vejo que os incitais a fazer tudo aquilo que Cristo declarou ser impedimento absoluto para a salvação? Quando vejo que menosprezais como coisa secundária a sua alma e colocais todo o vosso afã no que verdadeiramente é secundário, como se fosse o necessário e principal? Todo o vosso empenho é que o vosso filho possa ter escravos, montar a cavalo, vestir a melhor das vestes; mas não chegais a pensar um só momento em como se fará ele mesmo melhor. Levais ao extremo a vossa preocupação por madeiras e pedras, mas não considerais a alma merecedora da menor parte desse cuidado. Estais dispostos a suportar tudo para terdes em casa uma primorosa estátua de arte e um enfeite de ouro, mas não quereis nem mesmo pôr o pensamento em fazer de ouro a mais preciosa das estátuas, a alma dos vossos filhos. (Contra os adversários da vida monástica, 3)