Deus descansou no sétimo dia?

Deus descansou no sétimo dia?

Se Deus não se cansa (Isaías 40,28) por quê o relato da criação diz “descansou” Deus no sétimo?  (Gn 2, 2-3).

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Se você ler com atenção os dois primeiros capítulos do Gênesis, perceberá que a criação é narrada duas vezes. A primeira em Gn 1,1-2,4a, e a segunda em Gn 2,4b-25. (O versículo quatro do capítulo dois é o final da primeira narração sobre a criação e também o começo da segunda. Por isso ele é dividido pelos estudiosos em 4a e 4b, porque fala de coisas diferentes).

A primeira narração é longa, solene, minuciosa. A segunda,  é simples, breve, concisa. As duas falam da criação do mundo, do homem e do paraíso.

Por que duas narrações?

Porque foram feitas em épocas diferentes, por pessoas diferentes, com intenções diferentes, e que foram mais tarde juntadas num: narração só porque se completavam. A primeira narração (Gn 1,1-2,4a) foi escrita por um grupo de sacerdotes, e a segunda (Gn 2,4b-25) foi escrita por gente do povo. No tempo do escriba Esdras (séc. IV a.C.). Essas duas narrações foram juntadas e formaram a atual (Ne 8).

A intenção de cada grupo ao escrever a história da criação era diferente. O relato sobre a criação em seus dias e o “descanso” de Deus faz parte da narração do primeiro grupo, o sacerdotal. A intenção deles era, naturalmente, religiosa e litúrgica. Os sacerdotes escreveram esse relato no tempo em que os hebreus estavam exilados em Babilônia (587-539 a.C.). A situação do exílio influenciava muito a vida de todos: estava o povo fora da pátria, sem rei, sem sacerdote, sem templo, diante de muitos ídolos e sofrendo pressão para abandonar a própria fé e aderir ao deus Marduc, que era o deus de Babilônia. Como manter a fé, a vida religiosa, em tal situação? Quem era mais poderoso: Marduc, o deus de Babilonia vencedora, ou Javé, o Deus libertador de povo vencido?

Que libertação era essa?

Diante desse estado de ambigüidade e de desânimo é que aparece a narração sacerdotal que temos em Gn 1,1-2,4a. Aparece com a finalidade religiosa específica: sustentar a fé do povo, dar sentido à vida, dar esperanças de retorno.

Os sacerdotes partem de um princípio: Israel recebeu as promessas de Deus em Abraão e com os patriarcas e tem a herança do passado. Se está agora exilado, é porque se esqueceu de Deus. Se voltar para Deus e permanecer fiel a ele, tudo será reconstruído: haverá nação, rei, templo e sacerdote, pois o povo é e será sempre a herança do Senhor (SI 16,5; 28,9; 47,4; 78,71; 10,16 etc.).

Em seguida os sacerdotes ensinam que para manter a fidelidade a Deus e continuar sendo sua herança, o povo deve evitar o culto dos ídolos, a religião de Babilônia e manifestar essa fidelidade através do culto verdadeiro.

Como celebrar o culto verdadeiro e participar da vida religiosa se não existia o Templo?

Para responder a essa indagação do povo, os sacerdotes montaram o esquema da criação em seis dias com o “descanso” de Deus no sétimo. A intenção deles não foi científica, nem quiseram afirmar que o mundo foi feito em seis dias de 24 horas e nem em seis períodos de tempo. A intenção deles foi religiosa: fundamentar o sétimo dia como dia de descanso e culto. Se Deus “descansara” no sétimo dia, também o povo deveria descansar nesse dia (o sábado); deveria reunir-se em comunidade, ouvir e estudar a Palavra de Deus e cultivar a fé. O relato não é, pois, histórico, mas essencialmente teológico: o Deus todo- poderoso que tudo criou, é o mesmo que criou o povo de Israel. Ele conservará seu povo, até no exílio. O povo de Deus não desaparecerá.

Voltará à sua pátria, ao seu Templo. É preciso, porém, desde agora, manter a fé e ser fiel a Javé. o “descanso” de Deus não é, pois, repouso físico, mas um esquema literário para traduzir uma verdade teológica: a observância integral do sábado como “Dia do Senhor” e como meio de unir o povo e manter a fé.

Aula do curso Boa Semente, texto tirado do livro:  Bíblia perguntas que o povo faz, Frei Mauro Strabeli pag 24-25

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