O PROFETISMO

Introdução sobre os livros proféticos, confira na íntegra!

Com os profetas, o Antigo Testamento alcança o ápice, seja como valor espiritual absoluto, seja como preparação para o Novo Testamento. Os profetas eram homens que Deus investia diretamente do seu espírito para uma missão espiritual no seio do seu povo, em tempos de perigo ou de necessidade religiosa e moral. Tornavam-se assim, guias espirituais do povo de Israel, pelo mesmo título com que outrora os juízes suscitados por Deus, eram os chefes políticos e militares, os libertadores no tempo de aflição.

Embora tenha havido pessoas dotadas de espírito profético desde as origens do povo hebreu (cf. Gên 20,7; Núm 11,25-26; Dt 34,10), contudo, somente a partir de Samuel esses homens inspirados por Deus e por ele enviados ao povo sucedem-se com tal freqüência, que chegam a formar uma cadeia ininterrupta durante cerca de seis séculos (aproximadamente desde 1050 a 450 a.C). Cf. 1Sam 3,1.

Considerando o exercício do ministério profético, este longo intervalo de tempo divide-se em dois períodos sensivelmente iguais. Nos três primeiros séculos, isto é, até por volta de 750 a.C. temos os profetas de ação, como, por exemplo, Elias (1Rs—2Rs 2), que pregam energicamente, mas não escrevem, ao passo que os profetas escritores viveram todos nos séculos seguintes: são os profetas cujos vaticínios ou mensagens nos foram transmitidos por escrito. Estes últimos costuma-se dividi-los, com base na extensão de seus escritos, em duas categorias: Profetas Maiores e Menores. Os primeiros são, por ordem cronológica, Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel (sobre este último, porém, confronte-se a introdução ao seu livro. Os Menores, em número de doze, foram por algum tempo reunidos num só volume, em ordem aproximadamente cronológica, ou, ao menos, na que era julgada tal.

Objeto da pregação tanto dos profetas de ação como dos escritores, era defender a pureza do monoteísmo ¡avista contra as contaminações ou infiltrações idolátricas, concitar o povo à santidade dos costumes, exigida pela lei divina, combater as desordens sociais, principalmente a opressão dos humildes, opor-se ao formalismo religioso, inculcando o primado do espírito interior sobre os ritos externos, anunciar a cada cidadão e a toda a nação os tremendos castigos de Deus, em conseqüência das culpas cometidas, como também oferecer a perspectiva de um futuro melhor, fruto do arrependimento, porvir radioso, o mais das vezes compendiado em termos esperançosos e genéricos de paz e de salvação.

Nesta ordem de idéias, própria dos profetas escritores, apresenta-se-nos a majestosa e cativante figura de um descendente de Davi, mediante o qual se realizarão as venturosas promessas. Ele é o Salvador dos povos, o restaurador da religião e da justiça, o soberano de um reino eterno de paz. Os profetas designam-no com diversos nomes ou títulos: Emanuel, Servo de Javé, Rebento de Davi, Davi por antonomásia, Germe divino etc. Somente uma vez (Dan 9,26) é denominado com o apelativo de Masiahf ou Messias, que mais tarde se tornará termo técnico e pessoal. Compreende-se, assim, como os apóstolos citem freqüentemente no Novo Testamento os vaticínios dos profetas para provar aos judeus que o Messias que eles preanunciaram é o seu Mestre, Jesus de Nazaré.

Esse prenúncio constitui o ponto alto da missão dos profetas. Mas não se limita a isso, como, tampouco, à predição do futuro em geral, se limitaria a missão própria dos profetas, como erroneamente poder-se-ia deduzir deste vocábulo vernáculo, derivado do grego. Em hebraico, o termo correspondente é “nabi”, que, propriamente, significa um arauto (da divindade), um mensageiro. Os profetas eram, pois os porta-vozes de Javé, que transmitiam ao povo aquilo que Deus lhes ordenava transmitir; eram os pregoeiros da mensagem divina à nação ou aos indivíduos. O termo mais comum para indicar a mensagem divina era também o mais amplo: “a palavra de Javé”, que no seu objeto desconhece limites.

Deus, portanto, falava aos profetas, os quais, por sua vez, transmitiam sua palavra aos homens. De que maneira e por quais caminhos chegava a palavra divina a esses espíritos de eleição, é um segredo da mística sobrenatural. Em muitos casos, porém, eles mesmos no-lo revelam em seus escritos. Assim, descrevem-nos as visões com que foram favorecidos (Is 6; Jer 1,11-19; Ez 1-6; Am 7-8; Zac 1-6), mediante uma ação sobrenatural, exercida quer sobre os sentidos exteriores, quer sobre a imaginação e as faculdades interiores. Outras vezes era uma voz que lhes falava, de maneira semelhante, seja sensivelmente, seja mediante uma ação interior. O objeto da revelação podia apresentar-se-lhes na sua realidade direta, como em Is 6, ou por meio de símbolos, como em Am 7-8. Outras vezes a lição era sugerida pela observação de um fato sensível, como em Jer 18. Na maioria das vezes, porém, havia uma iluminação direta da mente do profeta. Sempre, porém, este percebia que Deus lhe falava, e era da indesmoronável convicção da origem divina do seu mandato que hauria uma força sobre-humana, capaz de vencer qualquer obstáculo (cf. Is 50,4-8; Jer 1,17-19;20,7-12; Ez 3,8-9; Am 3,7-8;7, 12-17).

A mensagem divina era comunicada, em geral, mediante a pregação (cf. Jer 7,1-15); outras vezes, mediante uma ação simbólica, realizada publicamente, com a finalidade de causar maior impressão sobre o povo (Is 20; Jer 13; 19; Ez 4-5). Já no segundo período, as mensagens proféticas passavam mui freqüentemente da pregação viva para o escrito (cf. Jer 36) e então assumiam facilmente forma mais literária, geralmente mais concisa e muitas vezes eram exaradas ou refundidas em formas poéticas mais apuradas, que juntavam à fascinação da beleza poética a vantagem de imprimir mais facilmente a palavra divina na memória. Ê até provável que, unindo ao verso a melodia, muitos desses poemas fossem cantados pelas praças e ruas, por zelosos discípulos dos profetas, para fins de propaganda.

Ao passarem, pois, da pregação oral para a escrita, esses “homens de Deus” (título honroso, reservado por antonomásia aos profetas; cf. 1Sam 2,27;9,6; 1Rs 13,1; 17,18; 2Rs 4,7 etc.) recebiam um carisma especial de inspiração, que conferia a seus escritos o valor de livros sagrados, dignos de ser inseridos no cânon das Escrituras divinas. Essa inspiração recebe esse caráter específico do seu termo, a escrita, que faz com que a palavra seja fixa, duradoura e imutável, o que a expressão oral não é. Na sua natureza de oráculo divino não difere, porém, da inspiração profética comum. É por isso que os teólogos, como Sto. Tomás de Aquino (Suma Teológica, 2?-2?, q. 171-178) costumavam tratar da inspiração bíblica juntamente com o carisma profético, e os antigos Padres chamavam freqüentemente “profeta” a qualquer escritor bíblico, porque inspirado.

O profetismo ergue-se, portanto, paralelo à lei e, juntamente com ela, sustém o edifício sagrado da religião hebraica, quer em função social no seio do povo de Israel, quer como monumento literário no Livro divino, a Bíblia. Daí a razão por que em linguagem bíblica, de modo especial no Novo Testamento, é de uso corrente o binômio “Lei e Profetas” para indicar todo o Antigo Testamento (cf. Is 2,3; 2Mac 15,9; Mt 11,13; Lc 24, 27 etc.)

profetismo era uma instituição divina em Israel, prevista e aprovada pela lei (Dt 18,15-20). O profeta, porém, recebia diretamente de Deus a investidura de sua missão, independente da aprovação da autoridade civil ou do sacerdócio (cf. 1Rs 18,16-18; Jer 1,17-19; Am 7,10-17). Testemunha de que Deus lhe tinha falado e de que o enviava, era o profeta mesmo, e devia ser acreditado na sua palavra. Garantia suficiente da sua sinceridade e da sua vocação divina, era sua pureza de vida e de doutrina, ou, em alguns casos, a realização de seu vaticínio (Dt 13,1-3; 18,21-22). Foi assim que já no limiar do Novo Testamento apresentaram-se às turbas de Israel, João Batista e Jesus de Nazaré. Continuação e coroamento da antiga mensagem profética foi a mensagem evangélica.

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