Místicos são pessoas bêbadas de Deus
Mística, o que é?
A palavra mística tem origem grega – múó (calar-se, fechar a boca ou os olhos, emudecer, balbuciar) e mystikós (relativo àquilo que deve ser mantido em segredo, sobretudo no que diz respeito ao sagrado ou culto sagrado entre iniciados, nas religiões antigas).
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Nesse sentido, está relacionada a uma profunda experiência do sagrado ou de Deus, sobre a qual não se pode expressar de modo preciso com palavras. É uma realidade que vai além do estritamente racional e, para ser expressa, usa-se certos símbolos e imagens – esposo (a), matrimônio espiritual, caminho, castelo interior, etc.
É preciso ficar claro que a mística não é alternativa para substituir o Evangelho, muito menos formar pequenos grupos fechados e que não estejam em sintonia com a caminhada eclesial, apegados a certos fenômenos visionários, de bilocação, etc. A experiência mística nunca poderá ser forjada e forçada; ela encontra-se na dinâmica da graça de Deus. Se é graça de Deus, é dada a todos. Portanto, todos temos a oportunidade de sermos místicos.
O místico é alguém que experimenta Deus
Você, leitor, está se deparando com uma palavra que sempre se repete: experiência. Ela é composta de três palavras: EX: origem, ‘movimento para fora, tirado de, ‘fora de’, movimento de… para, êxodo, saída, percurso; PERI: contorno, ao redor de, abraço; ENTIA: seres, realidades.
Assim, toda experiência é um movimento, um êxodo de Deus, que abraça o ser humano, envolve-o e o plenifica no amor. E essa experiência traz um saber sobre Deus – sabedoria (sabor de…).
Na experiência, Deus aparece e se esconde. Ele é mistério e se mostra através das mediações. Mistério, em grego Miein, mys/ múó: esconder (semelhante ao rato). Assim, Deus é aquele que está escondido e, ao mesmo instante, revela-se. A pessoa mística experimenta Deus. É aquela que busca penetrar no coração de Deus e agir pelo coração de Deus.
Ao longo da história, criou-se certo preconceito com relação à pessoa mística, especialmente na sociedade pós-moderna. O místico, muitas vezes, é compreendido como alguém fora da realidade, ultrapassado, contra as mudanças e progressos da sociedade. Esta ideia é errônea e reducionista.
O místico, com profunda humanidade, olha a realidade com os olhos de Deus, sem fugir dela. Interpreta-a e capta os movimentos e os rastros do Deus caminhante na história e comunica-O ao mundo onde está inserido. É alguém profundamente sensível, que capta o amor de Deus a todos os seres humanos e busca ver o mundo com olhar profundamente humano e divino.
É um seguidor de Jesus e quer refletir em sua vida as ações do próprio Jesus – tirar as pessoas de sua indigência, perdoar, uma vida íntima com o Pai e entregar-se à vontade de Deus, especialmente pela oração e pela leitura assídua da Palavra de Deus.
É alguém aberto ao projeto de Deus, isto é, deixa-se modelar pela ação do próprio Deus, na liberdade, sem nunca perder a sua humanidade. Uma pessoa mística é caracterizada por ser profundamente humana no trato com as demais, especialmente os mais fracos. Por fim, é um instrumento da graça de Deus. O místico nunca se enaltece. Pelo contrário, são humildes por ser este canal de graça no meio da sociedade e dos demais seres humanos.
Ao longo da história, encontramos muitos místicos: Gregório de Nissa, Bernardo de Claraval, Francisco de Assis, Inácio de Loyola, Teresa de Jesus, João da Cruz, Teresa do Menino Jesus e alguns místicos da atualidade: Edith Stein (leiga e mártir), D. Helder Câmara, D. Luciano Mendes, Madre Teresa de Calcutá, Tomas Merton, Roger Schutz, Dietrich Bonhoeffer, Margarida Alves (trabalhadores rurais), Chico Mendes (ecologia), Chiara Lubich, Zilda Arns e tantos leigos e leigas, que vivem radicalmente a sua fé, inseridos em nossas comunidades.
E por que não você, caro(a) leitor(a)?
Uma graça a todos
Este caminho não é um privilégio apenas de religiosos e sacerdotes, mas de todo cristão. Significa que o leigo pode ser um místico, a partir do seu modo de viver e agir na sociedade. A mística, como já dissemos, é abraçar uma realidade de modo apaixonado, criando um certo mistério e devotamento naquilo que se faz.
Geralmente se tem a ideia de que mística e santidade é algo para iluminados ou os que ‘já nasceram destinados a serem santos’. A mística e a santidade constroem-se ao longo da vida. Os santos só foram santos porque deram um salto qualitativo na sua humanidade – deixaram de ser uma lama sem forma para serem modelados pelo grande Oleiro, Deus. Romperam com suas trevas interiores para o encontro da Grande Luz e do Grande Caminho. O itinerário da santidade e da mística é processual, não é do dia para a noite. E exige rotas, sinalizações… É semelhante a alguém que vai fazer uma viagem: tem que ter um ponto de partida e de chegada e os meios que o farão chegar ao seu objetivo.
Em tempos pós-modernos, a mística é um desafio, mas é algo essencial. Um leigo engajado, místico, é um presente de Deus, pois não compactua, por exemplo, com um sistema político que exclui, não é omisso diante da desonestidade da empresa e da comunidade eclesial que trabalha.
Obviamente isso não é fácil, pois vivemos na era da inversão de valores. Ser justo, honesto e bom é, por vezes, não ser bem visto, mas levar vantagem e tirar proveito de tudo é ser modelo de esperteza. A atual sociedade quer uniformizar bons e maus, e isto é perigoso. A pessoa mística vê além e denuncia esta realidade e busca construir, onde está atuando, um novo jeito de ver a vida a partir dos valores do Evangelho.
Fonte:https://www.a12.com/redentoristas/palavra-redentorista/5-misticos-pessoas-bebadas-de-deus