PENTECOSTALISMO CATÓLICO: HISTÓRICO E ESPIRITUALIDADE
Na contemporaneidade, especificamente no contexto do pós Concílio Vaticano II, há um consenso entre os teólogos católicos: a Igreja Católica esqueceu-se do Espírito Santo. Todavia, no século XX, o século do avivamento pentecostal, a Igreja Católica também foi atingida por esta busca de renovação espiritual. No final do século XIX, uma freira católica, Elena Guerra, começou a convocar os católicos a retornarem ao Espírito Santo; o Papa Leão XIII consagrou o século XX ao Espírito Santo e o Papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II, com a intenção de uma atualização na pastoral da Igreja Católica. Porém, o grande Kairós pentecostal na Igreja Católica deu-se apenas em 1967, com o surgimento da Renovação Carismática Católica, a qual hoje se faz presente em cerca de 267 países, com uma média de 120 milhões de adeptos.
INTRODUÇÃO
O movimento pentecostal estrotejou-se para fora dos círculos protestantes e alcançou também o catolicismo romano, através da Renovação Carismática Católica (RCC). Em toda história do cristianismo, este é o primeiro movimento de origem protestante que adentrou a Igreja Católica Romana e foi aprovado por suas autoridades eclesiásticas. E, é do conhecimento de poucos católicos e pentecostais que, segundo o historiador pentecostal Vinson Synan, “a Renovação Carismática Católica foi, sem dúvida, uma das vertentes mais importantes do movimento carismático do século XX. Também o que apresentou um dos crescimentos mais surpreendentes” (SYNAN, 2009. p. 293). Neste artigo, tem-se por objetivo apresentar alguns dos principais dados da história da RCC, passando pela questão do esquecimento do Espírito Santo e dos carismas no catolicismo até o Concílio Vaticano II, momento em que se iniciou uma renovação pneumatológica na Igreja Católica, e, por fim, o surgimento e a expansão da RCC no Brasil.
1.1 O ESQUECIMENTO DO ESPÍRITO SANTO NO CATOLICISMO
Na contemporaneidade, especificamente no contexto de pós Concílio Vaticano II, há um consenso entre os teólogos católicos: a Igreja Católica esqueceu-se do Espírito Santo. Para a maioria dos católicos o Espírito Santo é um grande desconhecido, na prática, generalizando ou até exagerando, o relacionamento com Ele reduz-se à oração do credo católico: “creio no Espírito Santo” e ao sinal da cruz: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. A história prova a perenidade dos carismas na Igreja Católica, pois uma Igreja sem carismas não é mais a Igreja do Espírito Santo e, portanto, nem a Igreja de Cristo. Entretanto, alguns carismas, como as línguas e a profecia, aos poucos cessaram como fenômeno comunitário, tornando-se um privilégio de poucas pessoas (FALVO, 1976a, p. 79).
Em busca das raízes deste esquecimento do Espírito Santo, elencam-se agora os principais motivos históricos considerados sua causa. Em primeiro lugar, segundo o teólogo padre Serafino Falvo, a união do cristianismo com o Império romano e a consequente institucionalização da Igreja, pois, à medida que a Igreja Católica vai se institucionalizando, vai modelando as próprias estruturas sobre as do Império, as atenções estão mais voltadas para estas que para os carismas. Estes, por sua vez, passam a ser considerados manifestações privadas e não mais elementos essenciais da comunidade. Exércitos e nações inteiras convertem-se ao cristianismo só porque seu rei se tornou cristão. Assim, as pessoas recebem o sacramento do batismo e da crisma só por conveniência e na mais absoluta ignorância. A medida, pois, que a Igreja vai se tornando mais católica (romana), vai perdendo a consciência e o fervor carismático das origens.
Acentua-se cada vez mais a separação entre Igreja hierárquica e fiéis, até o ponto em que somente os bispos e padres são chamados „religiosos‟, e os outros são chamados „seculares‟, ou „leigos‟ (FALVO, 1976a, p. 79-80).
Outra questão contribuinte para o distanciamento da reflexão sobre o Espírito Santo foi a necessidade da Igreja, nos primeiros séculos, em dedicar-se à cristologia, pois havia muitos ataques heréticos à pessoa de Jesus Cristo. Como não havia grandes ataques à pessoa do Espírito Santo, a Igreja desenvolveu uma excelente cristologia, mas não desenvolveu uma compreensão adequada da pessoa e da missão do Espírito Santo (REIS, [s. l.]: IEAD. Aula III, p. 6). Como consequência disso, a Igreja do Ocidente caiu em um cristomonismo, como dizem os teólogos orientais.
O teólogo José Comblin explica:
o cristomonismo resulta do primeiro desequilíbrio entre as missões do Filho e do Espírito Santo no Ocidente: sempre houve uma cristologia, mas sempre faltou uma pneumatologia paralela, em toda a tradição escolástica até os últimos tempos. Além disso, fez-se uma cristologia praticamente sem o Espírito Santo. Nem na teologia da encarnação, nem na teologia da redenção o Espírito Santo intervém (COMBLIN, 1987. p. 30-31).
Da mesma forma, na eclesiologia nascida na Idade Média e triunfante no Concílio de Trento não há lugar para o Espírito Santo. Prevaleceu o esquema: Deus – Cristo – Igreja. Neste esquema, Deus revela-se por Cristo e Cristo dá-se a conhecer pela Igreja, isto é, pela hierarquia da Igreja Católica. O Espírito Santo, nesta eclesiologia, está presente apenas como auxiliar da hierarquia para facilitar a comunicação de Cristo. É o cristomonismo também na eclesiologia. A Igreja basta para fazer a ligação entre os cristãos e Cristo (COMBLIN, 1987, p. 31).
Continuando no tema da eclesiologia, vale ressaltar: dá Idade Média até o Concílio de Trento, a ligação entre o Espírito Santo e a Igreja torna-se muito estreita, chegando a uma redução de ambos à mesma realidade, como constata-se no clássico pensamento de Santo Irineu, que reza: “onde está a Igreja, aí está também o Espírito de Deus; e onde está o Espírito de Deus, ali está também a Igreja”. Assim, o Espírito Santo ficou restrito à Igreja enquanto instituição (COMBLIN, 1987, p. 56).
O surgimento de movimentos carismáticos rebeldes à instituição também são elencados como um dos motivos da resistência católica romana aos carismas, como o clássico exemplo do montanismo. Este surgiu no final do século II, na Frígia, com Montano, Prisca e Maximilla e pregava um novo derramamento do Espírito Santo, fazendo uso de diversos carismas, como da cura, das línguas e, principalmente o de profecia. O movimento se intitulava de „Nova Profecia‟, e arrastou um numeroso contingente de membros da Igreja.
Em seu período inicial, contou com a simpatia de muitas lideranças, inclusive de alguns Papas. Porém, o montanismo foi rejeitado por ter relativizado o papel dos bispos na Igreja e insistido em apresentar apenas os possuidores do carisma da profecia, como tendo uma importância superior (MENGHI, 2011. p. 53-54). Em decorrência disto, Reinaldo Beserra analisa:
o rompimento com uma comunidade que exercia exuberantemente os carismas, não poderia deixar de influenciar acentuadamente, de modo negativo, todas as demais experiências de caráter carismático que se seguiram ao montanismo. Sempre que surgiram, o pensamento da Igreja se voltava para a experiência negativa dos montanistas, e as encaravam com reservas, desenvolvendo assim o pensamento de que carisma não combina com instituição (REIS, Aula III, p. 5).
Com a desconfiança da hierarquia quanto às manifestações carismáticas, os carismas foram sendo considerados destinados apenas para os mais „santos‟. O cristianismo se tornou mais uma doutrina que uma vivência, e a santidade se retirava do povo de Deus e ia refugiar-se nos desertos, juntamente com os penitentes e, mais tarde, nos mosteiros, nos conventos e cenóbios em companhia dos monges e freiras. Criou-se a convicção de somente essa categoria de pessoas serem dignas de receber os dons do Espírito, e os carismas eram recebidos como prêmio de suas vidas virtuosas. Por isso, a maioria dos cristãos já havia perdido o conceito genuíno de santidade, e não se sentia mais a necessidade dos carismas, porque havia os do santo, os quais eram possíveis desfrutar diante de qualquer necessidade (FALVO, 1976b. p. 11).
Seguindo esta linha de pensamento, para o padre Serafino Falvo, a devoção aos santos foi afastando os católicos do relacionamento direto com o Espírito Santo, pois, como os carismas estavam reservados a estes, começaram a surgir Igrejas, santuários, pregações, panfletos, livros, imagens para enaltecer os milagres dos santos e propagar sua devoção. Procurou-se inculcar, quer com fatos, quer com palavras, o fato de tais santos serem os únicos instrumentos através dos quais o poder de Deus podia descer até nós (FALVO, 1976b, p. 11). Na Idade Média, praticamente se ignora o Espírito Santo e se exalta a devoção aos santos, principalmente Maria, e o imaginário da fé era marcado, quase que exclusivamente, pela paixão de Cristo (FALVO, 1976a, p. 11). Padre Libanio, apresenta a posição, um tanto irônica, de um teólogo oriental:
na Igreja Católica romana a concentração no sacramento da eucaristia e, de modo especial, na adoração da hóstia, a devoção à virgem Maria e o crescimento da força do primado [do Papa] deslocam a pessoa do Espírito Santo (LIBANIO, 2013. p. 38).
Por fim, apresenta-se a tendência cessacionista da teologia ocidental. Tal teoria foi criada por Agostinho, e pode ser entendida em seu pensamento: “por que, pergunto, não ocorrem mais milagres em nossos dias, como acontecia nos tempos antigos? Respondo que eles eram necessários na época, antes que o mundo viesse a crer, para que o mundo fosse convencido” (SYNAN, 2009, p. 35). Agostinho foi citado por incontáveis teólogos, e esta crença de os dons espirituais cessarem no fim da era apostólica exerceu influência até os tempos modernos. Há ainda outros elementos históricos que poderiam ser apresentados, porém acredita-se serem estes suficientes para compreender o problema proposto.
ELENA GUERRA E LEÃO XIII
Após este longo inverno da pentecostalidade na Igreja Católica, tanto em sua vertente católica quanto protestante, pois a reforma protestante não trouxe um retorno aos carismas, no século XIX começaram a surgir muitos pregadores no meio protestante, os quais acreditavam na necessidade de um novo pentecostes. Paralelamente, entre os católicos surgiu uma freira, chamada Elena Guerra. A religiosa começou a pregar sobre a necessidade dos cristãos retornarem ao Espírito Santo. Segundo o padre Eduardo Braga, a freira foi uma voz isolada, uma navegadora solitária quando começou a escrever sobre o Espírito Santo, denominando-o até de „divino desconhecido‟ (BRAGA, 2009. p. 15).
Ela nasceu em 23 de junho de 1835, em Lucca, Itália. De uma família abastada financeiramente, sofreu graves enfermidades em sua juventude e tornou-se uma mulher intelectual, amante da cultura. Uma colunista conceituada e autora de 72 obras, das quais 63 de caráter religioso e 9 de cunho educativo-escolástico (BRAGA, 2012. p. 21-32). Quando criança, Elena realizou uma profunda experiência ao rezar uma novena ao Espírito Santo, entre a festa da Ascenção e a de Pentecostes. A novena relembrava os dias em que os Apóstolos passaram no cenáculo, à espera do derramamento do Espírito Santo (SYNAN, 2011, p. 57). Elena viveu nutrindo um único sonho nascido em seu chamado profético na Igreja Católica: fazer o Espírito Santo mais conhecido, amado e invocado (BRAGA, 2009, p. 13).
Com o seu crescente amor ao Espírito Santo, impulsionada por algumas experiências místicas, locuções interiores, sente-se inspirada a escrever ao Papa Leão XIII, no tocante a devoção e o culto ao Espírito Santo. Porém, relutava contra este desejo. Até uma „porta-voz‟, como ela disse em seu diário, aguçou sua coragem (REIS, 2009, p. 14). Em 1893, Emília Giorgetti, uma mulher simples e humilde, confessou a Elena o seu desejo:
Ermínia me confessou que se encontrava constrangida de me dizer da parte do senhor, que eu devia escrever ao Papa para suplicá-lo de reunir os fiéis em uma oração unânime e universal ao Espírito Santo: “queria que dissesse à Madre de chamar ao meu coração todos os fiéis em uma unânime oração por meio do novo cenáculo… Diga-lhe que escreva uma carta ao Santo Padre pedindo-o que reúna todos os fiéis em uma contínua oração ao Espírito Santo e assim procure chamar a Deus todos os corações” (BRAGA, 2012, p. 87-88).
Após esta revelação de Ermínia, Elena Guerra sente-se encorajada e começa a escrever ao Santo Padre o Papa Leão XIII. A primeira é de 17 de Abril de 1895, ao todo foram 14 cartas. Dentre tantas coisas abordadas pela religiosa, nestas correspondências, podem-se apresentar alguns pensamentos sintetizadores do seu desejo, como:
Fazem tantas novenas e isso é bom. Mas, a única que foi pedida pela próprio Salvador e feita por Maria Santíssima e os Apóstolos, é agora quase completamente esquecida (BRAGA, 2009, p. 17).
São louvados pelos pregadores todos os santos, mas uma pregação sobre o Espírito Santo, quem a faz? (BRAGA, 2009, p. 17)
Parece-me, porém, que Deus queira uma maior difusão da devoção ao Espírito Santo (BRAGA, 2009, p. 29).
Santo Padre, por favor, chamai depressa para o novo cenáculo todos os fiéis (BRAGA, 2009, p. 33)
Como frutos destes seus escritos ao Papa, pode-se elencar Leão XIII como sendo o primeiro Papa de toda a história do catolicismo a escrever uma encíclica sobre o Espírito Santo, a Divinum Ilud Munus, promulgada em 9 de maio de 1897, na qual enfatizou o Espírito Santo no seio da Trindade e sua missão entre nós, na vida de Jesus e da Igreja e a importância do culto ao Espírito Santo; a instituição, por decreto, de uma novena ao Espírito Santo; e o incentivo para que os pregadores instruíssem o povo a respeito da divina Pessoa do Espírito Santo (REIS, 2009, p. 21-22).
Além desta encíclica, outro fato de extrema importância foi a consagração do século XX ao Espírito Santo, realizada pelo Papa Leão XIII, na celebração eucarística marcante da passagem do século XIX para o XX (noite de 31 de dezembro de 1900 para o dia 1° de janeiro de 1901). Um fato curioso: na mesma noite em que o Papa consagrou o século XX ao Espírito Santo, nos EUA, na Escola Bíblica Betel, de um pastor proveniente do metodismo, Charles Parham, cujos alunos encontravam-se numa vigília de oração e estudando o livro dos Atos dos Apóstolos, uma aluna de nome Agnes Nevada Ozman orou em línguas à maneira que os pentecostais clássicos evidenciariam o batismo no Espírito Santo. Vale a pena ressaltar ser este o primeiro registro público do falar em línguas, considerado o evento fundador do pentecostalismo moderno. Entretanto, o novo pentecostes só ganhou visibilidade nos eventos da Rua Azusa (REIS, 2009, p. 22-23).
O CONCÍLIO VATICANO II E O ESPÍRITO SANTO
O evento transformador do catolicismo no século XX, o século consagrado ao Espírito Santo, foi o Concílio Ecumênico Vaticano II. Nele, a Igreja Católica reavaliou sua pastoral, abrindo-se a um maior diálogo com o mundo moderno, contextualizando-se na nova realidade. Como o objetivo do texto está na questão pneumatológica, basta assinalar o relacionado a esta dimensão. É interessante recordar que o Concílio Vaticano II foi desejado e promulgado pelo Papa João XXIII, o Papa beatificador de Elena Guerra. Na ocasião, o Santo Padre deu-a o título do Apóstola do Espírito Santo dos tempos modernos. Também o sumo pontífice tornou pública a decisão de instituir uma comissão preparatória para um novo concílio exatamente no dia de pentecostes, 17 de maio de 1959 (REIS, 2009, p. 27), e encerra seu pronunciamento com a seguinte oração:
Espírito Santo, vossa presença dirige a Igreja no caminho certo. Nós vos pedimos, derramai a plenitude de vossos dons sobre esse Concílio Ecumênico. Renovai vossos milagres em nossos dias, em vista de um novo Pentecostes (ALBERIGO, 2006. p. 31).
Quando o Concílio iniciou e os textos começaram a ser produzidos e debatidos, logo os „observadores‟ ortodoxos e protestantes recriminaram os textos por falta de uma pneumatologia. Alguns repetiam tal recriminação até depois do Concílio. Com o amadurecimento dos textos chegou-se a 258 referências ao Espírito Santo nos documentos oficiais (CONGAR, 2009. p.217-218). Um fato pouco conhecido no Brasil, é: entre os observadores do Concílio Vaticano II havia um observador pentecostal, o Dr. David Du Plesis, o qual registrou seu testemunho:
Um dos bispos chegou-se a mim e disse: „você é o único pentecostal aqui presente e tenho que fazer-lhe uma pergunta. Preciso de uma resposta honesta. Não tente ocultar a verdade. Como se sente um pentecostal neste grande conclave de bispos?”.
E eles me perguntavam como me sentia. “Agradeço-lhe por sua pergunta”, disse-lhe eu. “Posso responder-lhe com as Sagradas Escrituras: sinto-me exatamente como Ezequiel no vale dos ossos secos”. “Creio que entendo o que você quer dizer, em muitas ocasiões também eu me sinto frustrado”, disse o bispo. “Senhor bispo, o senhor não me entendeu. Eu não disse que me sentia mal, mas que me sinto como Ezequiel e estou vivendo com muita expectativa este Concílio Vaticano II”. “Por que motivo você está assim? ”, perguntou-me o bispo. “Sinto que os ossos se reanimam” (CABEZAS, 1996. p. 32).
A teologia no pós Vaticano II começou a desenvolver a pneumatologia, porém, o evento decisivo para se falar de um retorno do catolicismo ao Espírito Santo foi o surgimento da Renovação Carismática Católica. Este movimento, segundo o historiador pentecostal Vinson Synam, é “uma das principais vias do movimento carismático do século XX” (SYNAN, 2011, p. 289).
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA
No início do século XX, não havia uma só igreja pentecostal, hoje a maioria do povo evangélico é pentecostal (MC ALISTER, p. 7). O Movimento Pentecostal teve seu ponto de partida nos EUA, na escola bíblica Betel, com o Pastor Charles Fox Parham, na cidade de Topeka, estado de Kansas, no ano de 1901. No entanto, o pentecostalismo não chamou a atenção do mundo até abril de mil 1906, quando aconteceu o chamado Avivamento da Rua Azuza em Los Angeles, liderado pelo Pastor William Joshep Seymour, que foi aluno de Parham (SYNAN, p. 17-18).
A partir do ano de mil novecentos e cinquenta e seis, surgiu o movimento pentecostal renovado, no seio das igrejas protestantes tradicionais, como luteranos, anglicanos, presbiterianos, metodistas, batistas e outros grupos (SMET, 1978. p. 23). O clima religioso no espaço católico também tem sido marcado nas últimas décadas pelo forte emergir dos novos movimentos religiosos, especialmente da Renovação Carismática Católica (RCC) (LIBÂNIO, 2002, p. 31-33). É dentro do contexto do Concílio Vaticano II (1962-1965) que a RCC se insere como um dos movimentos de revivescência espiritual (CARRANZA, 2000, p. 85).
Não havia passado um ano sequer ao término do concílio, quando no verão-outono de 1966, começou a despontar o fenômeno religioso chamado agora de „Renovação Carismática‟. Nesta circunstância, a Renovação aparece como um acontecimento pós-conciliar estreitamente vinculado ao próprio concílio […] (CARRANZA, 2000, p. 85).
Durante a Convenção Nacional de Cursilhos dos Estados Unidos, em agosto de 1966, Steve Clark e Ralph Martin encontraram-se com alguns amigos. Steve leu um livro que o deixou atônito, A Cruz e o Punhal de John Sherril, que é o relato da vida e das aventuras espirituais de David Wilkerson, um pastor assembleiano. A última parte do livro refere-se ao denominado batismo com o Espírito Santo e pediu-lhes que o lessem. Nos meses que se sucederam, além da leitura do livro A Cruz e o Punhal, um deles, Ralph Keifer, leu outro livro de John Sherril, intitulado Eles Falam em Outras Línguas, que consiste em uma análise do pentecostalismo nos Estados Unidos, a qual Ralph transmitiu aos outros. O grupo também resolveu aconselhar-se com um pastor episcopal, William Lewis, que os encaminhou a uma de suas paroquianas, engajada na experiência carismática, Betty Schomaker (RANAGHAN, 1972. p. 20).
Entre 17 e 19 de fevereiro de 1967, aproximadamente trinta estudantes e professores reuniram-se para um fim de semana na Universidade de Duquesne (REIS, [s. l.]: IEAD. Aula VII, p. 2). Segundo Ranaghan, “o fim de semana de Duquesne, como viria a ser chamado, foi certamente um dos mais notáveis acontecimentos na história do movimento pentecostal” (RANAGHAN, 1972, p. 33). Esse retiro constituir-se-ia numa referência histórica para os membros da RCC e é identificado como o momento do nascimento do movimento (CARRANZA, 2000, p. 23-24). Naquele final de semana, muitos experimentaram o batismo no Espírito Santo juntamente com o dom de línguas, profecia e outros carismas (RCCBRASIL, 2013. p. 10).
A experiência ocorrida na Universidade de Duquesne, rapidamente se espalhou, principalmente em outras universidades. E em pouco tempo, a RCC se difundiu por toda costa leste dos Estados Unidos, e daí começou a se propagar por todo o mundo (REIS, aula VII, p. 5-6).
No Brasil, o movimento chegou através de dois sacerdotes jesuítas, os Padres Eduardo Dougherty e Haroldo Rahm, na cidade de Campinas, São Paulo, entre o final da década de sessenta e início da década de setenta do século XX (CARRANZA, 2000, p. 30-32). Num primeiro momento, o período fundacional da RCC no Brasil, que compreende o período entre os anos de 1969 a 1979, o Padre Haroldo Rahm foi seu principal líder, sendo que ele foi o primeiro brasileiro a escrever um livro sobre o tema do batismo no Espírito (RAHM, 1991. p. 6). A RCC começou a proliferar-se através dos grupos de oração em paróquias e seminários de vida no Espírito. Este período, foi marcado pela desconfiança dos mais conservadores, daqueles envolvidos em movimentos sociais e da própria hierarquia, acusava-se a RCC de ser um movimento que só visava o espiritual sem compromisso social. Mas, em pouco tempo, a hierarquia da Igreja passou a ver a RCC com bons olhos, por ser um movimento conservador em sua doutrina, sendo o papa João Paulo II a figura mais importante neste período.
Nas décadas de oitenta e noventa, surgiram os grandes eventos de massa e o aparecimento de figuras midiáticas, tendo como expoente o Padre Marcelo Rossi. Houve significativa presença dos carismáticos na mídia, principalmente com a TV Canção Nova e a TV século XXI, fundadas pelo Mons. Jonas Abib, e pelo Pe. Eduardo Dougherty, dois grandes referenciais do início da RCC no Brasil (JESUS, v. 4, n. 7, p. 107-120, jan./jun., 2013. p. 116-118). Atualmente, encontra-se presente em todos os estados e no Distrito Federal, com aproximadamente vinte mil grupos de oração, em estimativa feita junto às coordenações estaduais da RCC, sem contar as comunidades de vida, aliança, associações e outras atividades ligadas à RCC (RCC do Brasil, 2 out. 2016).
Hoje, a RCC existe em mais de duzentos e trinta e oito países, tendo atingido mais de cento e vinte milhões de católicos (ICCRS, 2013, p. 10). No cenário internacional, ela conta com um escritório sediado em Roma, conhecido como ICCRS (Serviço Internacional da Renovação Carismática). Já, para a América Latina, a RCC conta com o Conselho Carismático Católico Latino-americano (CONCLAT), sediado em Bogotá, Colômbia. No Brasil, a RCC organiza-se por um Conselho Nacional (CARRANZA, 2000, p. 58-59) e um conselho em cada estado do país. As principais atividades da RCC são os grupos de oração e seminários de vida no Espírito, e também reuniões de caráter massivo, denominadas cenáculos, rebanhões, (CARRANZA, p. 45) congressos estaduais e nacional, ENF (Encontro Nacional de Formação), entre outros.
DOUTRINA E LITURGIA DO MOVIMENTO
Diferente do pentecostalismo clássico, o pentecostalismo renovado ou os movimentos de Renovação Carismática, permanecem fiéis aos ritos e às verdades de fé de sua igreja de origem, mas os vivenciam com uma nova animação que lhes é comunicada pelo batismo no Espírito e nos seus carismas. No caso da renovação católica, ela se difere das formas protestantes de pentecostalismo, principalmente por causa da doutrina dos sacramentos (SMET, 1978, p. 24-25).
A doutrina do movimento carismático está fundada no evento de Pentecostes (At 2). Sendo que as primeiras pessoas que vivenciaram esta experiência religiosa, tiveram a convicção de que se estava produzindo nelas algo semelhante ao que os apóstolos receberam no dia de Pentecostes (CARRILO, 1996. p. 16). E, conforme Reinaldo Bezerra, a RCC é “um rosto de Pentecostes, como um sinal da atualidade de Pentecostes, a recordar à Igreja aquela dimensão pentecostal que lhe é própria” (REIS, 2004, p. 123).
Faz parte da doutrina do movimento a afirmação de sua natureza divina, independente de qualquer mérito ou atividade humana, considerando o próprio Espírito Santo como fundador. Os primeiros carismáticos católicos são tidos apenas como pioneiros do movimento, aqueles que vivenciaram por primeiro o batismo no Espírito Santo, mas, que nunca planejaram criar a RCC (ICCRS, 2013, p. 16).
O coração da Renovação Carismática é a experiência do batismo no Espírito Santo, esta é sua experiência fundante e principal característica de sua identidade. O terceiro congresso teológico da RCC, no ano de 2008, assim expressou-se: “Considerando o batismo no Espírito a identidade e missão da RCC, podemos inferir esta experiência como normativa para o movimento, definindo assim quem é e quem não é” (III CONGRESSO TEOLÓGICO PASTORAL, 2008. p. 10).
A RCC, no documento de Malines, define o batismo no Espírito como: “Momento ou processo de crescimento pelo qual a presença ativa do Espírito […] se torna sensível à consciência pessoal […]” (SUENENS, 1975. p. 39). Na Renovação Católica, o batismo no Espírito está relacionado com os sacramentos da iniciação cristã, no sentido de reavivar as graças que já foram recebidas no sacramento do batismo e da crisma; diferente do pentecostalismo protestante que conta com duas etapas: a conversão (batismo nas águas) e a santificação (batismo no Espírito) (CONGAR, 2005. p. 250, 263).
Como em Pentecostes aconteceu a manifestação dos carismas, a principal ênfase da RCC está nos carismas (RCCBrasil, 2013. p. 12) do Espírito Santo. A RCC enfatiza, em especial, alguns carismas que tornaram-se mais populares, pela maior frequência com que os fiéis entram em contato com eles, sobretudo, o dom das línguas, o dom das curas, o dom da profecia, bem como a manifestação de visões, revelações e o repouso no espírito (PRANDI, 1997. p. 45).
As reuniões da RCC, conhecidas como grupos de oração, são a célula fundamental do movimento. É o lugar em que se ora, pedindo o batismo no Espírito e a manifestação dos carismas (RCC Brasil, 2013. p. 17). Dele participam os membros fixos do movimento, mas também a ele recorrem curiosos, pessoas com doenças físicas em busca da cura, depressivos, entre outros.
O grupo de oração é constituído por uma pregação, geralmente não muito doutrinária e sim testemunhal, onde se partilha experiências com Deus, fazendo uso de linguagem simples e acessível a qualquer pessoa; momentos de oração espontânea com imposição de mãos; além de muitas músicas e dança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao findar este breve artigo, pode-se questionar: o catolicismo realmente reestabeleceu sua pentecostalidade? Ao que parece, apenas os primeiros passos foram dados. A Renovação Carismática, em suas origens, possuía o desejo de ser uma corrente de graça, a qual buscaria o avivamento de toda a Igreja Católica. Contudo, foi relegada a tornar-se apenas uma associação de católicos, e, na sua configuração atual, incapaz de expandir a espiritualidade pentecostal a outros setores do catolicismo.
Portanto, não se pode falar de um avivamento geral na Igreja Católica, mas apenas da formação de um grupo de católicos carismáticos, pois uma espiritualidade pneumática, especialmente se esta incluir o uso dos carismas, ainda é rejeitada pela maior parte dos setores do catolicismo. Todavia, não se pode negar a presença do Espírito Santo na renovação teológica da Igreja Católica. Isso indica a possibilidade de um futuro mais pneumático para todo o catolicismo.
Por André Luís da Rosa
REFERÊNCIAS
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BRAGA, Eduardo. Elena Guerra: apóstola do Espírito Santo dos tempos modernos. Rio Bonito: Cenáculo Universal, 2012.
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34
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