Amor a pobreza – São João Crisostomo
Como não ter por suma loucura acumular tudo lá onde o que se deposita se perde e se corrompe, e não deixar nem a mais ínfima parte ali onde há de permanecer intacto e até crescer? E onde, além disso, havemos de viver por toda a eternidade!
É por isso que os gentios não crêem no que lhes dizemos, pois querem que lhes demonstremos a nossa doutrina, não pelas nossas palavras, mas pelas nossas obras. Quando nos vêem construir magníficas casas e plantar jardins e construir termas e comprar campos, não conseguem persuadir-se de que estamos a preparar a nossa viagem para outra cidade. Se assim fosse, argumentam, [os cristãos] venderiam tudo o que possuem aqui e o depositariam ali, e assim pensam em função do que costuma acontecer na vida. Com efeito, podemos observar que os grandes ricaços adquirem casas, campos e tudo o mais principalmente nas cidades onde pretendem passar a vida. Nós, porém, fazemos o contrário: a terra que havemos de abandonar dentro de pouco, matamo-nos por possuí-Ia, e por umas braças a mais, ou por umas construções, não somente entregamos o nosso dinheiro, mas até o nosso sangue; mas para comprar o céu, custa-nos imenso desprender-nos até do supérfluo, e isso quando poderíamos comprá-lo a preço muito baixo e, uma vez comprado, possuí-lo eternamente. Portanto, se ali aparecermos nus, sofreremos o suplício definitivo, e o sofreremos não apenas por causa da nossa pobreza, mas por termos empobrecido os outros. Porque, quando os pagãos vêem que aqueles que foram iniciados em tão altos mistérios põem todo o seu afã no que é terreno, também eles o abraçam com redobrado ardor, com o que não fazem senão acumular brasas sobre a nossa cabeça. Se nós, que deveríamos ensiná-los a desprezar tudo o que é visível, somos os primeiros a excitar-lhes a cobiça, como poderemos salvar-nos, réus que somos da perdição dos outros? (Homilias sobre São Mateus, 12, 5)
“Como é possível isto [fugir da tirania do dinheiro]?”, dir-me-eis. Metendo no vosso coração outro amor diferente: o amor dos céus. Aquele que aspira à realeza, despreza a avareza. (Homilias sobre São Mateus, 12, 6)
Por que queres que aconteça contigo o mesmo que aconteceu com Nabucodonosor? Este levantou uma estátua a si mesmo, e da madeira, da forma insensível, esperava que lhe adviria um acréscimo de fama. O vivo queria receber novo brilho daquilo que não tem vida: compreendes o excesso da sua loucura? Porque, crendo que iria honrar-se a si mesmo, cobriu-se de ignomínia. Efetivamente, como não considerar ridículo um homem que tem mais confiança num objeto inanimado que em si mesmo e na alma viva que há nele, e por isso exalta a tal grau de preeminência a madeira e procura ser glorificado não pelos seus costumes, mas por algumas peças reunidas? É exatamente como aqueles que pretendem brilhar pelo pavimento da sua casa, ou por uma bela escadaria, ao invés de brilharem pela sua condição de homens. Nabucodonosor tem hoje muitos imitadores entre nós. Ele quis ser admirado pela sua famosa estátua; outros querem agora ser admirados pelas suas vestes, pela sua casa, pelas suas mulas, pelos seus carros, pelas colunas que sustentam os seus palácios. E, como perderam o seu ser de homens, andam de cá para lá, buscando por toda a parte uma glória que é o cúmulo do ridículo. (Homilias sobre São Mateus, 4, 10)